Cabiria (1914)

Written by Filipe Manuel Neto on January 22, 2020

Um dos primeiros grandes sucessos do cinema italiano.

Este filme, uma obra-prima do cinema mudo europeu, é um clássico do cinema italiano. Lançado em 1914, às portas da Primeira Guerra Mundial, é um épico ambientado no período da Roma Antiga e mostra a última das Guerras Púnicas entre Roma e Cartago.

A acção é simples: Cabiria é uma criança quando a sua casa na Sicília é destruída por uma erupção do Monte Etna. Após várias peripécias, a menina é vendida em Cartago ao sacerdote do templo de Moloch, um deus a quem os cartagineses sacrificavam crianças. Salva da morte por um espião romano, acaba entregue a Sofonisba, filha do general cartaginês Asdrúbal, que a cria como escrava. Só a conquista da cidade pelos romanos e a morte de Sofonisba irão permitir a libertação final de Cabiria.

O filme é excelente. Tendo em conta a época, foi um avanço na técnica cinematográfica, com a construção de grandiosos cenários à escala e o aprimoramento de um sentimento épico que anteriormente já se ensaiara em "Quo Vadis" (1913). Dirigido por Giovanni Pastrone e com roteiro do poeta Gabriele d'Annunzio, o filme contou com mais de seis mil figurantes, foi filmado em vários países e custou uma verdadeira fortuna para a época. A música que acompanha o filme, composta por Ildebrando Pizzetti, contém melodias de ópera bastante reconhecíveis. Mas valeu a pena. O filme foi um sucesso, foi mesmo o primeiro a ser exibido oficialmente na Casa Branca.

O filme usou elementos de luz e som inovadores para a época, e também teve um avançado trabalho de montagem e pós-produção. O filme teria, originalmente, a duração de cerca de três horas, mas a versão que eu vi tem metade desse tempo, o que me faz pensar onde podem estar os metros de película que não vi.

Já vi alguns críticos sustentarem que este filme é uma espécie de justificação para a invasão italiana da Líbia, ocorrida anos antes, em 1911. Porém, discordo desta opinião. De facto, é no Norte de África que decorre a maior parte da acção do filme, e é evidente que os romanos são os bonzinhos e os cartagineses os malvados. Até aqui, estou de acordo. Mas o filme nunca reclama aquela terra para Roma historicamente, limita-se a apresentar as Guerras Púnicas e inserir a história de Cabiria nesse contexto. Não há neste filme nenhum ponto onde possamos dizer que Itália tem direitos históricos sobre aquelas terras em África. Por outro lado, se considerarmos o tom heróico e épico, que se sente nesta e noutras produções cinematográficas da época, e a tónica acentuadamente nacionalista, podemos ver neste filme não uma justificação do que quer que seja, mas uma amostra de como o povo italiano, naquele momento, se sentia. Tinham acabado de conquistar terras em África, eram uma das potências emergentes na Europa, estavam prestes a entrar numa grande guerra mundial mas sentiam-se capazes de a vencer. Sentiam-se os maiores. O filme mostra isso muito bem.