Constantine (2005)

Written by Filipe Manuel Neto on December 19, 2020

Um bom thriller, que leva o público da selva urbana ao verdadeiro Inferno.

Baseado numa banda-desenhada, daquelas que só ouvimos falar depois de termos visto o filme, traz-nos a história de John Constantine, um herói incomum que vive com um pé no nosso mundo e outro pé no Inferno.

O roteiro tece uma história simples: a luta entre o Bem e o Mal é transformada numa espécie de aposta entre Deus e o Diabo, em que se jogam os destinos das almas da Humanidade e em que os dois mantêm uma espécie de “equilíbrio” em que nenhum está realmente a vencer o outro. John Constantine, homem que tentou suicídio e sobreviveu, transforma-se sem querer num dos “árbitros” desse equilíbrio quando passa a poder enviar para o Inferno os demónios que vêm até ao nosso mundo provocar problemas. Todavia, precisamente por tentar matar-se, é o Inferno que aguarda Constantine quando morrer, ideia que o aterroriza e que ele descreve como “ir para uma prisão para onde você mandou a maioria dos presos antes”. Assim, quando descobre que o filho do Diabo está a tentar usar uma jovem médium para chegar ao nosso mundo e provocar o Armagedão, percebe que, se for capaz de o impedir, pode adquirir o perdão divino e o almejado passaporte para o Paraíso.

Pessoalmente, gosto bastante de filmes com temas deste género. São temas apelativos, muito embora o filme subverta bastante as temáticas religiosas e espirituais onde se envolve. Sem ser verdadeiramente um filme de terror, funciona bem como um tecno-thriller de fundo negro e ambiente gótico urbano, que é ocasionalmente pontilhado de cenas intensas e perturbadoras. Infelizmente, eu senti que o filme se desconjunta na última terça parte, e o final acaba por ser decepcionante e muito mais fraco do que o restante. O filme, em certos momentos concretos, parece fazer pequenos acenos a outras obras do cinema, como “O Exorcista”, que podemos ver como homenagens ou, por outro lado, como influências que este filme recebeu. Talvez aqui a verdade esteja mais ou menos a meio entre uma coisa e outra.

Depois de “Matrix” e “Advogado do Diabo”, a escolha de Keanu Reeves para o protagonista parece-me bastante natural. Em certa medida, ele repescou e misturou aqui elementos e atitudes que usou quando deu vida a Neo e Kevin Lomax nos filmes que mencionei. Mas isso não foi uma má ideia: Reeves brilhou nesses trabalhos e consegue dominar muito bem este filme e estar à altura do que lhe é proposto pela personagem. Reeves deu a Constantine uma personalidade soturna, melancólica, pessimista e misantrópica, que vai humanizando gradualmente à medida que ajuda e se importa cada vez mais com Angela, personagem eficazmente executada por Rachel Weisz, num dos trabalhos mais interessantes desta actriz, que ficou pela sua aparição na trilogia “A Múmia” e pela sua entrega em “O Fiel Jardineiro”. A par com estes actores, temos ainda os bons desempenhos de Djimon Hounsou e Peter Stormare. Quem realmente não deve guardar boas memórias do filme é Shia LaBeouf, extremamente chato e desinteressante, e Tilda Swinton, que transformou um arcanjo cheio de autoridade celestial numa espécie de criatura andrógena e moralmente retorcida, desagradável sob todos os pontos de vista.

Tecnicamente, o filme aposta bastante no CGI e nos efeitos visuais, com resultados muito bons tendo em conta a época em que foi feito e o orçamento disponível. O visual dos demónios deste filme é algo verdadeiramente impressionante, repulsivo e dantesco, como dantesco é o modo como o Inferno é retractado, numa eterna tempestade de fogo e dor. Igualmente notável pelo realismo e majestade é o breve vislumbre que o filme dá do Paraíso. Cenas de luta ou exorcismo foram detalhadamente pensadas e os efeitos colaboram largamente. A cinematografia é boa e coloca-nos num universo neo-noir nocturno, sombrio e decadente, onde a escuridão se conjuga bem com um cenário repleto de móveis baratos, decoração vulgar e néon, e com efeitos sonoros urbanos como gritos, sirenes de ambulâncias, sons de automóveis. A banda sonora, assinada por Brian Tyler e Klaus Badelt, é profunda e excelente.